Entrevista: Vitor Gomide

O Melhor Queijeiro do Brasil acertou ao assumir o legado da produção de queijos e continuar a tradição familiar 

Há um ano Vitor Gomide, do Laticínios Gomide, vencia o concurso de melhor queijeiro do país. O prêmio veio no segundo Mundial do Queijo do Brasil, realizado em São Paulo, em setembro de 2022. 

Vitor conquistou os 8 jurados ao apresentar o Lavoura, um queijo com café, embalado em folha de bananeira, que ganhou a medalha Super Ouro do Mundial do Queijo.  

Médico-veterinário por formação, Vitor tornou-se administrador do laticínio e produtor de queijos. Aos 32 anos, orgulha-se da conquista e, principalmente, do reconhecimento recebido pela qualidade de seu produto, fruto do amor pelo ofício. 

Vítor é a terceira geração de uma família de produtores de queijos em Viçosa, na Zona da Mata de Minas Gerais. Em 2018, com o apoio da esposa Priscila Vaz de Melo, assumiu o laticínio, que produz uma ampla variedade de queijos, vendidos no comércio e feiras locais. 

Herdou não apenas a tradição, mas também o carinho pelo que aprendeu, informalmente, na convivência com a produção artesanal. Cresceu vendo a avó fazendo queijos na roça. O momento de esperar seu pedaço e experimentar as delícias era o mais aguardado: requeijão, muçarela nozinho, palito ou trança. Mas, naquela época, ele não fazia ideia de que levaria adiante aquele legado. 

Apesar de valorizar e manter a tradição familiar, Vitor não abre mão de se alinhar aos tempos atuais. “Precisamos aprimorar a organização e a tecnologia cada vez mais”, diz.  “Isso ajuda a divulgar os pequenos e médios produtores de queijo e de muitas outras atividades. Hoje todos sabem que nossos queijos aqui do Brasil são reconhecidos mundialmente, graças à tecnologia.” 

1) Desde a infância você convive com o universo do leite e do queijo, graças à sua família. Mas quando foi que isso começou, de fato, para você? 

Foi quando minha família se mudou para o sítio onde minha avó fazia o queijo. Morávamos em cima da casa dela. Depois acabamos indo para a roça. Meu pai tirava o leite e minha avó fazia o queijo. A produção era pequena, mas eu via, convivia e ajudava também naquela rotina, inclusive na feira, desde os meus 12 anos, junto com meus primos. Mas comecei a trabalhar com queijo, de fato, em 2018, depois que me formei em Veterinária. Minha mãe, já cansada do serviço do laticínio, me passou essa responsabilidade. Também me casei e minha filha nasceu. Foi quando passei a assumir e a gerenciar o laticínio. 

2) Como olhava para aquela atividade? Despertava em você algum interesse ou você encarava apenas como o trabalho da sua família? 

Não planejei nada em relação a trabalhar com laticínios, mas acabei entrando de cabeça. Já sabia que era uma atividade desgastante, pelo trabalho excessivo. Vi de perto a história da minha avó e da minha mãe. Mas quando fiz Veterinária, vi um potencial que poucos enxergavam ali. Em vez de encarar como um trabalho desgastante, enxerguei que poderia também ser mais prazeroso. Trabalho pelo amor que tenho ao laticínio, mas buscando uma qualidade de vida melhor. Poder levar minha filha, minha esposa, ter minha mãe lá, presente, é muito satisfatório. O tempo que eu passaria atendendo ou fazendo visitas técnicas, como veterinário, de um lugar para o outro, eu passo trabalhando junto à minha família.  

3) Apesar de sua formação como médico-veterinário, você acabou tendo que desenvolver um lado empresário para assumir o Laticínios Gomide. Essa transição, para você, foi natural? 

Foi mais ou menos natural. Na verdade, foi gradual. Ajudava minha mãe em boa parte da administração (venda, compra, estoque). Fui pegando uma “bagagem” para, de fato, conseguir administrar o laticínio. Sempre busco orientações para ver o que melhor se encaixa no laticínio. Inovações, ferramentas que possam facilitar nosso serviço lá. Tem um pouco de instinto também, em relação a enxergar possíveis erros e acertos. Decidir a melhor hora para fazer um novo investimento ou tomar uma decisão. Tenho que analisar o cenário da cadeia láctea e assumir a decisão de construir uma câmara fria, fazer uma reforma, saber se é hora ou não de inovar em novos queijos. Isso foi um instinto que desenvolvi com a vivência no laticínio. 

4) Hoje, à frente do seu próprio negócio, o que você considera essencial para a gestão de um laticínio? 

O essencial é o comprometimento que todos têm sobre cada função lá, sobre os nossos produtos. Sempre priorizar a qualidade. Trabalhamos com alimentos que vão para a mesa de vários consumidores, então sempre queremos entregar um excelente produto. Procuro fazer com que nosso empenho melhore o crescimento não só do laticínio, mas que isso favoreça a todos lá. Quando algo não vai bem, tento entender o lado do funcionário e me esforço para alcançar um bem comum, e que isso se reflita no produto que fazemos. Também acho importante atuar diretamente junto ao consumidor, ouvir sua opinião em relação ao produto, a nossas criações. Boa parte dos nossos consumidores acaba opinando sobre o produto que queremos lançar, para chegar sempre ao melhor para eles. 

5) Em um trabalho que ainda carrega tradição artesanal e familiar, como a tecnologia colabora para o sucesso do seu queijo e, de maneira geral, do seu negócio? 

Na gestão do laticínio isso é vital. Saber o que fazer com os dados e com a informação, para onde e como estão indo. A tecnologia sempre nos orienta e nos ajuda a aprimorar a produção e a gerenciar nosso laticínio. Veio para trazer resultados melhores e contribuiu para a padronização dos nossos produtos, mas sem deixar de manter a tradição dos queijos. A tecnologia, cada vez mais, estará presente no nosso laticínio. Graças a ela, tivemos a divulgação do nosso produto e ótima repercussão. Antes estávamos concentrados só em Viçosa. Hoje, talvez o mundo inteiro conheça nossos produtos, seja por fotos, Instagram, WhatsApp etc.  

6) O que você diria para os pequenos e médios laticínios que ainda não se adequaram à transformação digital? 

Independentemente do tamanho, seja o laticínio pequeno, médio ou grande, se ele não buscar se profissionalizar um pouco mais, coletar informações e digitalizar seus processos, vai ficar para trás e perderá dinheiro. O que você precisa para poder melhorar? Acho que esse deve ser o questionamento. Buscar sempre essa inovação, não ficar atrasado. 

7) Como enxerga a indústria láctea do Brasil hoje? 

O cenário da indústria láctea hoje é meio confuso. Tem a iniciação da produção artesanal, hoje em ascensão. E tem as indústrias de grande porte. Uma solução seria unir essas duas cadeias – a artesanal e a industrial de grande escala – para direcionar nossa cadeira leiteira. Hoje temos várias interferências de outros produtos e nossos consumidores estão migrando para produtos não lácteos. Quando unimos forças e proporcionamos mais produtos de qualidade para o consumidor, isso ajuda a evitar que ele fique migrando para outros produtos não lácteos. Acredito que a união pode fazer a força no cenário lácteo no Brasil. Não adianta ficarmos brigando com outros laticínios. 

8) Quando começou a lidar com queijos, você imaginava que teria reconhecimento nacional por isso? 

De forma alguma. Sou de família simples, de Viçosa, bem enraizado aqui. Nunca fui aventureiro ou de sair pelo “mundo afora”. Acabei ficando aqui e tentando fazer um excelente trabalho. Tanto que veio o reconhecimento nacional. Isso é bem gratificante para nós. É fruto do nosso trabalho diário. Estamos sempre empenhados em proporcionar um bom produto. O feedback do cliente foi fundamental para chegarmos a esse ponto. A dedicação, o empenho, o amor pela profissão acabaram trazendo o reconhecimento nacional para nós. 

9) Ter sido eleito o melhor queijeiro do Brasil aumentou muito sua responsabilidade?  

Sem dúvida! Costumo me cobrar muito. Tento atuar em boa parte do laticínio, estou fazendo algo em todas as áreas. Quando alguma coisa foge do controle, nos cobramos ainda mais, tanto pela preocupação em entregar um excelente produto para o consumidor quanto pelo reconhecimento que as pessoas têm por nós. 

10) Tem planos ou projetos para novas receitas ou produtos? 

Sim, estamos sempre fazendo alguma melhoria, espaços novos, maquinário. Ter novas receitas é fundamental. Não adianta aumentar muito o laticínio e não ter um queijo diferente. É preciso diversificar a produção. Neste ano, começamos a comercializar o queijo liso, que veio do concurso. O Lavoura [queijo autoral, elaborado para o segundo desafio do Concurso de Melhor Queijeiro do Brasil] veio no fim do ano passado. E agora, no final deste ano, teremos queijos novos. Ainda estamos no processo de criação. 

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