A nova era dos laticínios, do leite sintético e da preocupação para o produtor de leite
Um número crescente de startups tem inovado no desenvolvimento de carnes e outros produtos de origem animal utilizando tecnologias avançadas. Entre elas, destacam-se as técnicas plant-based, que empregam ingredientes vegetais para reproduzir o sabor e a textura das proteínas animais, e as técnicas cell-based, que iniciam a produção a partir de uma célula animal e multiplicam-na em laboratório para criar produtos idênticos aos tradicionais sem o abate de animais. Mas a inovação não para por ai. Já existe quem produza leite criado em laboratório a partir de células de vacas.
A indústria de lacticínios e os produtores rurais assistem, há alguns anos, à introdução do leite produzido em laboratório, um produto que já vêm transformando radicalmente a forma como se obtém os os produtos lácteos. Ao contrário do leite tradicional, obtido por meio da criação e ordenha de animais como vacas, cabras ou ovelhas, o leite de laboratório é resultado de métodos baseados na biotecnologia, na chamada fermentação de precisão.
Em um passado não muito distante, cientistas americanos tentaram recriar as condições perfeitas para a produção do leite sem as vacas e conseguiram. O leite foi feito a partir de células mamárias do animal, cultivadas em laboratório.
Esse “leite de laboratório” é uma alternativa sintética ao leite convencional, criado em ambientes de laboratório por meio de técnicas de biotecnologia avançadas. Diferente da extração tradicional de leite de mamíferos como vacas e cabras, companhias como a Brown Foods, Remilk e a brasileira Future Cow utilizam microrganismos geneticamente alterados, como leveduras, para produzir proteínas de leite.
Essas proteínas — combinadas com gorduras vegetais, açúcares e vitaminas — simulam a composição nutricional do leite animal. O processo começa com fermentação precisa, durante a qual genes que codificam proteínas lácteas são introduzidos em microrganismos, que por sua vez funcionam como biofábricas, gerando as proteínas necessárias.
Após a síntese das proteínas, elas são misturadas com gorduras vegetais e outros componentes nutricionais para recriar a estrutura do leite convencional. O leite sintetizado é submetido a controles de qualidade rigorosos, processo que abrange testes detalhados para eliminar qualquer contaminação e verificar se o produto atende às normas de qualidade estabelecidas.
Produção de leite de laboratório no Brasil
A Future Cow é pioneira na América Latina, mas no resto do mundo já existem startups consolidadas no segmento de fermentação de precisão. A startup brasileira, criada por Leonardo Vieira e Rosana Goldbeck, PhD em engenharia de alimentos, produz seu leite num pequeno laboratório com um tanque de fermentação de 15 litros. “Estamos treinando e otimizando as células. A próxima etapa é escalar a produção e começar a testar o produto com fabricantes do setor,” Leonardo Vieira, o cofundador, disse ao portal Brazil Journal.
A startup brasileira utiliza o DNA bovino para identificar a sequência genética responsável pela produção de leite, introduz esses genes em um organismo hospedeiro, como leveduras ou fungos, e então coloca a mistura em um tanque de fermentação. Mas o cofundador destaca que a empresa desenvolveu uma técnica que permite que os hospedeiros (a levedura ou o fungo) sejam alimentados com resíduos da agroindústria em vez da glicose, que é usada pelos concorrentes. Após este processo, o leite é produzido, e segundo a empresa, possui uma estrutura molecular idêntica à do leite tradicional de vaca.
Ao mesmo tempo, a startup colabora com o escritório Pinheiro Neto para obter as aprovações regulatórias da Anvisa, visando comercializar seu produto no Brasil. Nos Estados Unidos, órgãos como a FDA (Food and Drug Administration, ou Administração de Alimentos e Medicamentos) já concederam aprovação para produtos semelhantes.
Leite de laboratório vs. leite tradicional
Em termos de sabor e textura, o leite de laboratório foi meticulosamente desenvolvido para imitar as características do leite convencional. Através de técnicas avançadas de aromatização e emulsificação, é possível oferecer uma experiência sensorial semelhante ao consumidor, proporcionando um produto final que se assemelha muito ao leite tradicional.
Leonardo destaca uma vantagem adicional do leite da Future Cow. “Nosso leite tem a mesma estrutura molecular que o leite tradicional de vaca, porém, eliminamos os elementos indesejados como lactose, hormônios, pesticidas e antibióticos,” explica.
Em termos de nutrição e saúde, ambos os leites contêm proteínas, gorduras, vitaminas e minerais essenciais para uma alimentação equilibrada. Quanto ao impacto ambiental, a produção de leite em laboratório é mais sustentável. Gera menos emissões de carbono e utiliza menos recursos hídricos e terrestres em comparação com a produção do leite tradicional obtido de animais.
“Embora o leite de vaca seja de alta qualidade, não é ecologicamente sustentável. Os produtos plant-based são mais ecológicos, mas não replicam completamente o sabor e funcionalidade do leite convencional. Nosso objetivo é produzir um leite que mantenha o sabor e funcionalidade do leite convencional, mas que seja sustentável”, finalizou o cofundador da Future Cow.
Fonte: Brazil Journal e Compre Rural