“Não se adequar sai muito mais caro”
Milana Dias, especialista em Vigilância Sanitária e Qualidade de Alimentos e Higiene e Tecnologia de Produtos de Origem Animal, fala da nova rotulagem de alimentos e aponta benefícios para a indústria e para o consumidor final
por Assessoria Lacteus
Daqui a alguns meses, um símbolo em forma de lupa vai estar bem visível na frente das embalagens. Alguma estratégia de marketing? Nada disso. Será a nova rotulagem nutricional de alimentos embalados.
A norma, aprovada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) em 2020, passa a vigorar a partir de 9 de outubro de 2022. A nova regra estabelece mudanças na embalagem frontal e na tabela nutricional dos alimentos.
Mais do que modificar a rotulagem dos produtos, o cumprimento da norma exige toda uma mudança de pensamento dos laticinistas. Repensar a composição dos alimentos, adequar as embalagens aos novos rótulos, estar atento aos prazos e reestruturar o planejamento são algumas das questões.
Milana Dias, farmacêutica, consultora e especialista em Vigilância Sanitária e Qualidade de Alimentos, Higiene e Tecnologia de Produtos de Origem Animal, esclarece alguns pontos e dá dicas importantes sobre essas mudanças. “Enquanto nós, profissionais de alimentos, trabalhamos nessas adequações, do outro lado da ponta também somos consumidores e precisamos dessas informações corretas”, destaca.
Ela também ressalta que, apesar de muitos gestores estarem perdendo o sono com as adequações que estão por vir, a longo prazo elas vão trazer benefícios tanto para a indústria como para o consumidor final.
Como os laticínios estão se preparando para essa mudança?
Tenho visto alguns se preparando de maneira precipitada. Mas também vejo outros se planejando de forma organizada, que é o mais indicado. Esse é o momento de planejamento da adequação desses rótulos, para que o laticínio não tenha surpresas posteriores, principalmente em relação ao estoque de embalagens. Meu conselho: faça um cronograma dos produtos que passarão pelo processo de adequação e estabeleça os prazos para adequar cada produto.
O que seria uma forma precipitada de se preparar?
Por exemplo, a nova legislação entra em vigor em 9 de outubro de 2022. Se, antes dessa data, eu soltar rótulos no mercado que estejam em conformidade com a nova legislação de rotulagem nutricional e não com a RDC Nº 360 (resolução vigente atualmente), esses produtos serão considerados irregulares e serão passíveis de todas as sanções. Fica o alerta para as indústrias de laticínios, com relação a essas mudanças.
O lado positivo da nova rotulagem para o consumidor é bem nítido. Como ressaltar o retorno positivo dessas mudanças para o laticínio?
Não é fácil demonstrar para o empresário, pois isso impacta os custos. Afinal o laticínio vai precisar de profissionais para realizarem essa adequação, em vários níveis. Mas é importante ressaltar: se o investimento nessa adequação não for realizado, a consequência para o laticínio será um custo muito maior, resultante de apreensão, recolhimento de produtos do mercado e descarte de embalagens, além das multas por não cumprimento da legislação em vigor. Ou seja: não se adequar sai muito mais caro.
Além da questão financeira, qual outro ponto positivo você destacaria para o laticinista?
As adequações, assim como a legitimidade das informações na rotulagem, fazem com que a marca se torne mais competitiva no mercado, mais desejada e procurada pelos consumidores. E isso demonstra que aquele laticínio se preocupa não só legalmente com essas adequações, mas também com a qualidade do seu produto.
Então, a longo prazo, esse custo inicial da adequação pode se converter em lucratividade?
Sim. Aquela marca vai estar ali no mercado, posicionada de maneira positiva. E isso gera retorno financeiro. A forma como o consumidor enxerga essa marca e a visão do laticínio em relação a esses pontos são moeda de troca hoje em dia, assim como a experiência do consumidor. O laticínio deve valorizar isso, trazendo essa relação positiva para a continuidade dos negócios.
“As adequações, assim como a legitimidade das informações na rotulagem, fazem com que a marca se torne mais competitiva no mercado, mais desejada e procurada pelos consumidores.”
Existe muita resistência dos laticínios em relação aos ajustes nos processos de fabricação?
Sim. Hoje precisamos de profissionais extremamente qualificados na linha de frente da operação desses processos. E essas adequações exigem uma mudança na cultura organizacional. A forma de pensar do todo, não só do profissional que está ali à frente da produção, mas da equipe de qualidade e da direção do laticínio, influencia muito. A resistência às adequações do processo é parte de uma resistência à mudança, no geral. Por outro lado, essas adequações são positivas.
Essas mudanças podem servir de aprendizado para o laticínio?
Sim, porque dão a possibilidade de o laticínio se engajar. Já observei, em muitas situações, aquela cultura do “sempre deu certo assim e não vamos mudar”. E agora, quando alguns laticínios se deparam com uma situação de alto teor de açúcares adicionados, por exemplo, eles querem propor uma solução. Isso é evolução de pensamento. Visualizar o processo de fabricação de uma outra forma. As mudanças da nova rotulagem fazem com que a indústria, ainda que de forma obrigatória, acabe revisando todos os seus processos.
Sob esse ponto de vista, a indústria tem a ganhar com esse tipo de mudança, não?
Essa mudança possibilita estarmos muito juntos do processo. Fazer com que ele aconteça e seja visualizado de maneira muito diferente. Às vezes nosso olhar fica viciado pelo dia a dia dentro da fábrica. Agora precisamos quebrar esse paradigma da nossa forma convencional de olhar as coisas e enxergar diferente. A indústria ganha em otimização, em custo de aquisição de ingredientes, de aditivos. Ao longo do processo, a indústria percebe que está usando alguma coisa que não tem necessidade de usar, de fato. Ou descobre que já existe algo que substitui aquilo de maneira mais efetiva e menos prejudicial ao consumidor.
A nova rotulagem pode ser eficaz para que os laticínios repensem a elaboração de seus produtos?
Com certeza. Principalmente porque há muito medo de mudança. É comum ter um “pezinho atrás” em relação ao novo. Muitos laticínios têm receio de colocar no painel principal de um rótulo a nova fórmula. Temem que o consumidor decida não comprar mais seu produto porque a fórmula mudou. Essa situação de ter que “pensar fora da caixa” vai fazer com que os laticínios busquem alternativas viáveis.
Na prática, como poderíamos explicar esse “pensar fora da caixa”, no caso dos laticínios?
Por exemplo, o fato de tirar um açúcar adicionado de um produto implica no que eu vou colocar para substituir aquele açúcar. Algumas vezes, quando retiramos um ingrediente, o que temos que colocar para substituí-lo acaba se tornando mais prejudicial do que o açúcar convencional utilizado naquele produto. Tudo isso tem que ser muito bem estudado, testado e analisado. Esse esforço deve estimular a busca por metodologias diferentes para os processos de fabricação. A longo prazo, isso vai trazer uma evolução muito grande para os processos tecnológicos de produção de leite e derivados. E isso vai beneficiar tanto a indústria como o consumidor final.
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Milana Dias é CEO da Vida de Laticínios, empresa voltada para prestação de serviços de consultoria e treinamento para laticínios. Possui graduação em Farmácia, é docente, especialista em Gestão Ambiental e Segurança do Trabalho, Vigilância Sanitária e Qualidade de Alimentos, Higiene e Tecnologia de Produtos de Origem Animal, e mestranda em Ciência e Tecnologia de Alimentos. @vidadelaticinios