No setor nacional do leite, diferentes contextos produtivos devem, sim, serem levados em consideração para a tomada de decisões
A atividade leiteira, no contexto nacional, possui uma pluralidade inerente aos diferentes climas, biomas e até mesmo aos costumes encontrados nas diversas regiões do País. Ao mesmo tempo, ao se avaliar os sistemas pecuários sob uma ótica econômica, é evidente que algumas características produtivas tornam os retornos da atividade mais atraentes ao produtor.
No contexto de competitividade entre atividades agropecuárias, esse quesito se torna ainda mais importante, tendo em vista a pressão exercida pela alta nos custos de produção no segmento leiteiro desde a pandemia de covid-19. O Projeto Campo Futuro, da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), em parceria com o Cepea (Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada), da Esalq/USP, aponta que o COT (Custo Operacional Total), referente aos desembolsos anuais e a depreciação das propriedades amostradas, dos sistemas de produção de leite acumulou alta de 44,3% na média Brasil entre dezembro/19 e fevereiro/24.
Dessa forma, pode-se afirmar que as grandes mudanças nos patamares de preços, tanto em termos de custos quanto de receita para a cadeia de leite, ocorreram durante o período pandêmico, em 2020 e 2021 – nestes dois anos, os Custos Operacionais Totais cresceram respectivos 23% e 19%. Já em 2022, a alta se limitou a 3%, seguida por uma retração de 4% em 2023.
Por outro lado, a receita ao produtor oscilou, mas terminou o ano passado ficando 16% acima da observada no final de 2019, considerando-se a “média Brasil” do preço do leite ao produtor do Cepea, deflacionada pelo IPCA de fevereiro/24. Observa-se, então, que, apesar da redução no ritmo de alta nos custos que vem ocorrendo desde 2022, o poder de compra dos produtores de leite segue pressionado.
O ano de 2023 trouxe novos desafios à cadeia: importação de leite em volumes expressivos trouxe efeitos prejudiciais ao mercado interno de leite, afetando a remuneração dos produtores em um período de reduzida oferta nacional, quando a série histórica apontaria valorização do produto. De dezembro/19 a fevereiro/24, a receita bruta das propriedades típicas amostradas pelo Projeto Campo Futuro apresentou uma alta média de apenas 7,7%.
Como resultado sobretudo da desvalorização do leite em 2023, houve queda real de 86% na margem líquida da atividade de dezembro/19 a fevereiro/24 (Gráfico 1).
Gráfico 1: Variação acumulada na margem líquida das propriedades típicas amostradas pelo Projeto Campo Futuro (média nacional em relação a dezembro/19, com valores deflacionados pelo IPCA de fevereiro/24)
Fonte: Projeto Campo Futuro – Sistema CNA/Senar
Elaboração: Cepea – ESALQ/USP, Sistema CNA/Senar
Dada a crescente competição com os parceiros comerciais, sobretudo da América do Sul, a intensificação da atividade leiteira no Brasil se demonstra imprescindível para que se garanta a permanência dos pecuaristas no campo. A amostragem de propriedades típicas nas principais bacias leiteiras do País permite não somente avaliar características regionais que favorecem a atividade, mas também as tecnologias empregadas, índices zootécnicos resultantes e, consequentemente, a saúde financeira dos empreendimentos.
Sabe-se que o número de índices obtiveis em sistemas de produção é significativo, mas, para obter uma melhor compreensão sobre o desempenho da atividade, destacam-se:
Produção de leite por vaca por ano: Medida que avalia a eficiência individual das vacas ordenhadas, resultado do melhoramento genético do rebanho, técnicas de bem-estar animal e o correto manejo nutricional. É evidente a resposta da produção individual quando há melhoria na qualidade da forragem ofertada (assumindo-se aqui que a mesma esteja ofertada em quantidade suficiente) e inclusão de ingredientes concentrados na dieta.
Estatísticas também relacionadas ao mérito genético das fêmeas, como a persistência de lactação, permitem maximizar este índice.
Número de vacas em lactação por hectare: Representando a capacidade de aproveitamento dos recursos forrageiros, esta estatística reflete a aplicação de estratégias de produção, conservação e fornecimento de alimento. Ainda, por considerar o número de animais produtivos, responde ao resultado de outros fatores, como o percentual de matrizes no rebanho, a taxa de natalidade e a taxa de lotação.
Litros de leite produzidos por hectare: Resume os resultados técnicos do sistema avaliado, resultando da combinação da produção individual e do número de animais produtivos por área. Ressalta-se que existem diversas combinações de cenários que possam levar a um mesmo nível de produtividade por área, sendo algumas mais economicamente viáveis do que outras.
Com o objetivo de avaliar a rentabilidade dos sistemas de produção de leite de acordo com sua margem líquida, as propriedades típicas amostradas durante o ciclo de levantamentos mais recentes do Projeto Campo Futuro (2021-2023) tiveram seus resultados processados e agrupados de acordo com os patamares de suas margens líquidas em fevereiro/24.
Para a análise, foram comparados sistemas de produção com estratégias semelhantes de manejo das vacas. Foram agrupadas as propriedades com sistemas a pasto ou semi-confinados e os de vacas confinadas, com o objetivo de analisar isoladamente o que mais impacta os resultados financeiros em ambos os casos.
Produção de leite a pasto/semi-confinada: Dentre os sistemas amostrados que ainda mantêm suas vacas em lactação ao menos parte do tempo em pastagens, as que investiram mais na capacidade produtiva de leite apresentaram margens líquidas mais confortáveis do que aqueles com menores índices de produtividade.
Em reflexo disto, é evidente que os sistemas extensivos tiveram dificuldades em pagar seus custos de produção no período avaliado. Os piores resultados foram obtidos pelas propriedades típicas com os menores níveis de captação por área e produtividade por vaca. O grupo de fazendas que obteve uma captação média de 1.104,56 litros de leite/ha ano teve, em fevereiro/24, uma margem líquida negativa, de R$ 688,38/ha.
Como propriedades de leite detêm ativos caros em seus inventários, a diluição de seus custos fixos é um ponto chave para a melhoria de sua saúde financeira. Elevar a produção é, neste caso, a alternativa que se encontra sob maior controle do produtor de leite, dado o baixo poder de negociação (ao menos individual) que ele possui com a indústria.
Inicialmente, é possível melhorar a capacidade de captação por área elevando a capacidade de suporte das áreas de pastagem, aumentando assim o número de animais por hectare. Vale lembrar que a capacidade de suporte é expressa, aqui, em termos de número de vacas e não o número total de cabeças por hectare, pois o aumento na taxa de lotação só retorna o efeito desejado caso haja um maior número de animais produtivos no sistema.
Foram observadas melhorias em sistemas que tinham ao menos 40% de vacas em lactação em seu rebanho, com as que obtiveram as maiores margens mantendo 43% de vacas em lactação em relação ao total de animais.
Essa foi a principal diferença observada entre os grupos 5 e 4 dentre os sistemas com produção a pasto/semi-confinada (Tabela 1) – o maior número de vacas por hectare, passando de 0,38 para 0,61, auxiliou a reduzir o impacto do COT no período avaliado.
No entanto, apenas elevar a capacidade de suporte do sistema não é o suficiente para que se atinja o máximo retorno dentre as propriedades avaliadas. Em dado momento, o incremento da produtividade por área se torna dependente da capacidade de produção individual das vacas em lactação. A resposta a estas melhorias no desempenho individual das vacas pode ser observada nas diferenças entre os grupos 4 e 3: a intensificação no uso de recursos para a nutrição dos animais auxiliou na captação média anual, fazendo com que, para uma mesma lotação, haja um aumento de 84% na média entre as captações diárias dos dois grupos.
O incremento deste índice não se faz possível sem o uso de ingredientes concentrados, bem como maiores investimentos na produção de volumoso de maior qualidade (especialmente a silagem de milho). Foi observado um incremento na participação dos custos com insumos para a dieta de vacas nos sistemas de produção mais rentáveis, atingindo 39% do COT (ou um custo de 68 centavos por litro de leite).
Os sistemas de produção de leite a pasto/semi-confinado mais rentáveis apresentaram, em média, uma margem líquida de R$ 3.157,06/ha, equivalente a 39 centavos/l de leite. Dentre as propriedades neste grupo, o sistema de Toledo (PR) foi o que mais se destacou em termos de margem líquida. O seu COT foi de R$ 1,95/L de leite em fevereiro/2024, fazendo amplo uso da produção de silagem e forrageiras de inverno para garantir a nutrição de suas vacas. Apesar do sistema não ter obtido a maior produtividade por vaca/ano, de 6.222 litros, o uso de concentrado e forragem de boa qualidade garantiu a margem líquida de R$ 3.743,63/ha ano.
Sistemas confinados: Já para os sistemas com uso mais intensivo de recursos, em que os produtores optam por manter suas vacas em lactação 100% do tempo confinadas, observa-se redução na diferença percentual entre os valores médios dos índices produtivos nos diferentes grupos em relação ao observado para os sistemas a pasto/semi-confinados. Logo, observa-se que os desafios enfrentados em sistemas de produção mais intensivos vão com certeza além da natureza zootécnica de seu manejo.
Em tais sistemas há maiores investimentos no manejo nutricional do rebanho, o que facilita o controle do desempenho dos animais. Tendo em vista que a curva de resposta de animais à alimentação em regime de confinamento é amplamente estudada, há maior previsibilidade sobre os resultados produtivos dada a qualidade dos ingredientes e o volume de concentrado ofertado na dieta das vacas. Desta forma, os fatores técnicos que se tornam limitantes à produtividade do sistema são o material genético trabalhado na propriedade e a eficiência em gerir a reposição de matrizes.
Dentre os sistemas avaliados, Castro (PR) foi o que apresentou os melhores índices técnicos e financeiros. Na propriedade, foram observados investimentos não apenas na nutrição de vacas no rebanho, mas também em suas fêmeas para reposição. Com isso, a idade média da primeira cria foi de 24 meses. Destaca-se, aqui, que o encurtamento da fase de recria auxilia na eficiência do sistema, visto que tais animais são um dreno de recursos enquanto ainda não se tornarem produtivos. Quanto à taxa de descarte de matrizes no rebanho, a propriedade preconiza uma média de 20% ao ano, que permite uma pressão de seleção satisfatória, haja vista a taxa de natalidade de 86% ao ano.
Os índices acima trabalham em sinergia na propriedade avaliada, permitindo que o produtor otimize o melhoramento genético das fêmeas à medida em que elimina do rebanho não somente animais velhos ou que possuem dificuldades para emprenhar, mas também suas vacas menos produtivas.
Tais fatores auxiliaram a propriedade típica de Castro em obter os maiores índices de produtividade entre as regiões amostradas, de 10.910 L leite/vaca ano e 22.060 litros por hectare ano. Considerando-se os resultados de fevereiro/24, o sistema apresentou lucratividade (relação entre a margem líquida e a receita bruta do sistema) de 20%.
Outro fator chave, agora sob a ótica financeira, é o controle sobre os custos de produção. Em sistemas de alta produção, além da conquista de metas produtivas, também é reforçada a necessidade da criação de metas para despesas, de forma que a margem líquida da propriedade não seja afetada por falhas nas estratégias de compra de insumos.
Neste ponto, algumas estratégias trazem benefícios ao retorno obtido, como uma melhor negociação com os fornecedores de ração, caso se opte por manter a produção de concentrado de forma terceirizada, ou então concentrar a compra de ingredientes em períodos de preços mais favoráveis, caso a escolha de produzir a ração na propriedade em si faça mais sentido ao dimensionamento do sistema. O mesmo é válido para a aquisição de insumos para a produção de volumoso.
Ao se avaliar o histórico de relações de troca mensais entre o preço do leite e o valor do quilo da ração amostrados pelo Projeto Campo Futuro, foi observado que, entre 2013 e 2023, houve diferença de 0,39 kg de concentrado/l de leite entre as relações mínimas e máximas anuais. Convertendo em valores correntes, isso seria equivalente a R$ 34,16 por saca de 40 kg de concentrado, considerando-se valores médios de fevereiro/24.
Destaca-se que a análise de tal correlação demanda maiores estudos de forma a definir os períodos mais estratégicos para a compra de insumos em cada região, no entanto, para a média nacional e o período avaliado, houve tendência de relações de troca mais favoráveis entre os meses de junho a outubro.
No setor nacional do leite, é importante reforçar que os diferentes contextos produtivos devem, sim, serem levados em consideração para a tomada de decisões sobre as intervenções a determinado sistema. Neste sentido, o clima, a facilidade logística e a disponibilidade de mão de obra habilitada são todos fatores que devem ser ponderados no momento em que um técnico da área sugere opções de melhorias que, ao final, devem sempre presar pelo objetivo do produtor para determinado projeto.
Em termos de competição pelo uso de áreas, é importante reconhecermos que a eficiência é o melhor fator protetor à atividade, auxiliando na permanência dos produtores no campo.
Conhecer, compreender e controlar os índices gerados pelo sistema, sejam eles financeiros ou técnicos, é o primeiro passo que diferencia as propriedades mais rentáveis das demais.
Fonte: Cepea