Leite correndo nas veias
Apaixonado pela cadeia leiteira e todos os seus processos, o incansável George Martins ressalta que o Brasil tem empresários ousados e um setor que permite muito crescimento nos próximos anos
Assessoria Lacteus
George Pires Martins é médico veterinário, mas trabalha com leites e derivados desde 2011. Para quem não tem familiaridade com essa área, pode até soar meio inusitado. Mas isso não tem nada de novo. “A participação do médico veterinário na indústria de alimentos de origem animal data de 1952, desde o governo de Getúlio Vargas”, explica George, referindo-se à assinatura do Decreto nº 30.691, naquele ano, que aprovou o Regulamento de Inspeção Industrial e Sanitária de Produtos de Origem Animal (Riispoa).
Justamente por lidar com produtos de origem animal, o veterinário possui conhecimento técnico em todas as áreas da cadeia produtiva. Além disso, é o profissional responsável pela sanidade do rebanho leiteiro. Na indústria de leite, o veterinário é quem assume a responsabilidade técnica do laticínio.
A ideia de George era trabalhar com clínica de ruminantes, mas durante o percurso da faculdade, acabou migrando para a área de alimentos. A paixão por esse setor fez com que ele mergulhasse no leite, literalmente. George também é o criador do canal Leites e Derivados, no YouTube, no qual fala sobre a cadeia produtiva do leite e assuntos relacionados a ela.
Em 2020, decidiu reduzir seu trabalho da consultoria – pelo qual viajava sempre – para assumir um cargo de gestão no laticínio Polilac, em Garanhuns (PE). Em 2021, passou a marcar presença no Instagram com mais frequência. Aos poucos, foi se sentindo menos travado e mais à vontade. Não demorou muito para que as postagens e o canal tivessem boa recepção pelo público. Em 2022, George segue ainda mais presente, compartilhando conteúdo sobre a cadeia leiteira, que ele considera “tão importante no nosso dia a dia e muito representativa na economia do nosso país.”
1) Você sempre teve essa paixão por leites e derivados?
Nem sempre (risos). Na verdade, comecei o curso de Medicina Veterinária com a intenção de trabalhar com clínica de bovinos. Então, de certa forma, já tinha esse desejo de trabalhar (mesmo que indiretamente) com leite. Mas só comecei a pensar em trabalhar nessa área no final do curso. Primeiro, por ter me identificado com as cadeiras na faculdade referentes aos derivados lácteos. Depois, por ter identificado uma carência grande de profissionais desse tipo na minha região.
2) O que te motiva a trabalhar com tanto afinco nessa área?
O que me motiva muito é ver o crescimento local, regional e empresarial daquelas pessoas que estamos ajudando diretamente. É gratificante acompanhar, ao longo de anos, esse crescimento. Ver pessoas que começaram beneficiando um ou dois mil litros de leite e hoje beneficiam trinta, quarenta mil, por exemplo.
3) Ao longo desses anos de experiência prestando consultoria, qual foi o erro que você mais viu na gestão dos laticínios?
Sem sombra de dúvidas, é não ter os números do negócio. É a falta de informação. Não se sabe a qualidade do leite, não se sabe o rendimento técnico dos produtos. Não se sabe as margens agregadas em cada derivado. Acredito que isso é o que mais trava o desenvolvimento desses estabelecimentos. Vários deles contam com pessoas muito boas em seu quadro. Mas sem a informação, acabam tomando decisões erradas no dia a dia.
4) A saúde única e a biosseguridade são pautas cada vez mais frequentes. Na sua visão de médico veterinário atuando diretamente na cadeia produtiva do leite, acha que o Brasil já tem consciência da importância desses conceitos?
Ainda não. Na verdade, são conceitos que na prática a gente encontra na legislação e nas grandes empresas, principalmente nas multinacionais ou naquelas de exportação. Lá na ponta, no pequeno e médio laticinista ou produtor de leite, esse conceito ainda não chegou. Mas começa a chegar, principalmente depois da obrigatoriedade do Plano de Qualificação de Fornecedores de Leite, por parte do Ministério da Agricultura, a partir de 2018.
5) A transformação digital é uma necessidade real hoje. Os grandes laticínios já têm essa consciência e se beneficiam disso. O que você diria para os pequenos e médios que ainda têm resistência a essa adequação?
O comércio é um campo de batalha. Funciona mais ou menos como na teoria da evolução, de Darwin. O ambiente fará essa seleção natural e os organismos adaptados ao novo mundo terão uma vantagem gigantesca sobre quem não está. Qual será o resultado disso? Em um futuro próximo, quem não estiver no meio digital estará fadado ao fracasso.
“Em um futuro próximo, quem não estiver no meio digital estará fadado ao fracasso. ”
6) Quais os pontos que o gestor de um laticínio deve sempre priorizar?
Qualidade do leite. Conhecer as características do leite que ele compra. Físico-químico e microbiológico, CCS, CPP, tudo isso vai influenciar e muito no rendimento e na qualidade do produto final. Coletar informação das três etapas mais importantes do seu negócio: obtenção do leite, beneficiamento e comercialização.
7) Como é a relação entre o George consultor e o George gestor da Polilac?
Ainda é uma relação desafiadora. O gestor trabalha muito mais e, na maioria das vezes, tem um peso maior na tomada de decisão do que o consultor. Mas, na prática, isso ocorre em todos os laticínios. O consultor às vezes sofre para implementar suas demandas, comigo não é diferente (risos). O gestor acaba mandando em quase tudo.
8) Como você acha que os laticínios brasileiros estão em comparação com o mundo?
Em relação à parcela desenvolvida, estamos muito atrasados, mas também não estamos no fundo do poço. Possuímos uma boa rede, empresários ousados e um setor que permite e permitirá muito crescimento nos próximos anos. É olhar com carinho quem está à nossa frente e, sempre que possível, “copiar” as boas ideias. Desde que o mundo é mundo que isso acontece e não deve ser diferente com a gente.
9) Quais dicas você pode dar para o profissional que deseja iniciar carreira como consultor para laticínios?
Primeiro de tudo é não ter medo de começar. O feito é melhor que o perfeito. O não é o que já possuímos de todos. É importante conhecer na prática, mesmo que para isso tenha que se gastar dinheiro. É preciso entender que o cliente possui uma dor e você obrigatoriamente tem que sanar essa dor, saber resolver o problema dele. O dia a dia, a prática e se impor (acreditar no que você está dizendo), isso vai fazer muita diferença.
10) Quais são os projetos que vêm por aí?
Lançamento do site Leites e Derivados (www.leitesederivados.com.br), do projeto da Rota do Queijo e de alguns cursos online. Também pretendo aumentar a frequência de vídeos no YouTube. Quero aumentar o engajamento e ajudar mais pessoas nessa cadeia, seja um consultor que quer iniciar suas atividades ou um laticinista que, com uma dica nossa, possa melhorar o seu negócio.